quarta-feira, 25 de junho de 2008
Favela: necessidade, cumplicidade ou comodidade?
A favela é uma desordem? Uma necessidade? Uma comodidade?
Uma entrevista com o urbanista e arquiteto Manoel Ribeiro, que foi dada ao colunista Mauro Ventura e publicada na Revista do jornal “O Globo” deste domingo me chamou a atenção. O urbanista conhece profundamente várias comunidades no Rio de Janeiro, e com sólidos conceitos me fez refletir sobre esta postagem.
No país de Oscar Niemeyer, o gênio da arquitetura mundial, as favelas aparecem como uma pedra enorme no caminho do desenvolvimento e da concepção de “urbano”, planejado. Elas são problemáticas no quesito área de risco, falta de saneamento, tráfico de drogas. Ninguém mora na favela por status, ou por que gosta. É uma necessidade. Nessa semana em que o Afro Reggae completa 15 anos de história tirando da marginalidade pessoas que nunca pensaram em ter uma vida de viagens, conhecimento, busca de culturas e soluções as mazelas sociais (o movimento musical e redentor foi criado após a chacina de Vigário Geral em 1993, e que é relatada por Zuenir Ventura, no livro “Cidade Partida”), O PENSAMENTO sobre favela ainda se faz da forma mais superficial possível. Mas, por quê?
O que Manuel Ribeiro comenta em sua breve entrevista é que “não existe interesse em acabar com a bandidagem”. Fazendo uma leitura mais profunda na questão, observamos que realmente o problema do tráfico de drogas é por exemplo uma “comodidade” para vários setores. O Dicró já comenta em um dos seus maravilhosos sambas “observatórios” que o crime gera muitos empregos, e diretos! Manoel endossa a questão dizendo sabiamente que “se termina o tráfico, os bandidos descem para o asfalto e cometem outros crimes.”, e depois cita uma frase muito importante: “E acaba a receita da corrupção”.
Sim, a corrupção do país burocrático que cria dificuldades demais para poder “vender” as “facilidades” é um fator X da questão. Reside aí o mais forte ato responsável pela corrupção no Brasil. Tudo é burocracia, as pessoas nos serviços públicos te atendem mal, te enchem de papéis. Tudo armado para poder vender as supostas facilidades. Com a favela e com o crime acontecem as mesmas coisas. Eles sofrem o mesmo processo. Não poderia ser diferente.
Quando os traficantes começaram a ter queda na receita das bocas de fumo
(segundo o entrevistado a classe média tem apelado para as drogas sintéticas, gerando uma enorme pressão e busca por outras atividades), se viram obrigados a buscar novos negócios. Aí foram explorar os depósitos de gás de cozinha, os moto – táxis . Foram também para o lado dos seqüestros relâmpago, roubos de carros, e pararam com as festas que eram promovidas enormemente a alguns anos atrás, como os bailes de comunidade(funk), que serviam para promover justamente o encontro da classe média com o mundo favelizado (inúmeras comunidades tinham bailes considerados até como glamurosos, vide o exemplo dos bailes do Chapéu Mangueira). Surgiram ultimamente as milícias, que curiosamente conseguem acabar com o tráfico de drogas. Mas como? Se a polícia legalizada e amparada pela lei não consegue? Cumplicidade.
A remoção das populações para áreas novas e urbanizadas não é aconselhada pelo especialista. Na verdade, quando uma favela é estabelecida inicialmente, ela busca colocar o morador pobre próxima a serviços que não existem em áreas periféricas (escolas, hospitais) e visam também a maior facilidade para a obtenção de emprego pelos trabalhadores. É o clássico caso da Rocinha, encravada na Zona sul do Rio de Janeiro, do lado oposto da pista do badalado bairro de São Conrado, caríssimo e dotado de infra-estrutura, além de oferecedor de empregos e serviços. Não adianta pegar um morador da Rocinha e colocá-lo em um conjunto residencial novo e organizado em São Gonçalo (calcule por exemplo o quanto esse morador irá gastar somente de passagens de ônibus e tempo de viagem!). Seria mais um aumento de estresse, de gastos, queda de produção deste trabalhador. Esse fato só vai fazer com que esse morador venda esse novo imóvel para uma família de melhor renda e retorne a Rocinha, ou crie outra favela, pois lá mais próximo estará o seu trabalho, muitas vezes informal, mas seu sustento. O maior beneficiado desse sistema de remoção acabará sendo o novo comprador e o próprio mercado imobiliário, que já vem crescendo bastante no país.
É citada também a atividade informal do favelado que para ser registrada terá um ônus que o mesmo não pode pagar, mas seus serviços são plenamente utilizados por grandes empresas do asfalto (como as ligadas à moda que utilizam as costureiras para montar as suas peças a custo mais baixo - sem precisar ir até a China!). Aí mais uma burocracia estatal que ajuda a girar essa roda de necessidades, cumplicidades e comodidades, facilitadores da venda de facilidades que enriquece alguns em detrimento de milhares ou milhões.
É difícil pensar em mudança, apesar dos projetos sociais quererem muito construir um mundo melhor e ajudar em alguns casos. O problema é macro.
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